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Brasília deve ganhar cidade satélite planejada e voltada a pedestres

Atualizado: 28 de fev. de 2020

Urbitá teve assessoramento do escritório do dinamarquês Jan Gehl;

Desenho de como deve ser novo bairro planejado em Brasília


No meio do Planalto Central, num lugar onde hoje há mato, se ergue uma cidade. Isso aconteceu há 60 anos e deve acontecer de novo. 


Uma empresa quer construir um bairro planejado para pelo menos 118 mil pessoas alguns quilômetros ao norte de Brasília, batizado Urbitá.


O bairro será erguido nos terrenos da Fazenda Paranoazinho, terreno de 1.600 hectares comprado em 2007 pela empresa que toca o projeto, que ganhou o nome de Urbanizadora Paranoazinho.


A construtora promete dar ao bairro uma cara diferente da do plano piloto de Brasília, área planejada por Lúcio Costa, há seis décadas que compreende Asa Sul e Asa Norte, e que lembra um campus universitário, com prédios espaçados por largos gramados, comércios segregados de habitações e tudo setorizado —das quadras só de farmácias ao setor de mansões isoladas.


A Urbitá evoca ideais do novo urbanismo —corrente de planejamento de cidades que defende que se desenhem espaços mais agradáveis para pessoas, e não para automóveis. A empresa defende o adensamento populacional e prevê uso misto de edifícios: prédios residenciais terão comércio embaixo, voltado para a rua.


A ideia é que os moradores (que podem chegar a 150 mil) ocupem o lugar a longo prazo, por mais de 25 anos. A fase inicial do projeto prevê 11 mil habitantes, que começarão a habitar o local a partir de 2023.


A Urbitá não será construída em uma área vazia: é vizinha às cidades-satélite de Sobradinho e Planaltina. Por isso, a empresa propagandeia criar uma nova centralidade: quer que tanto os futuros moradores do bairro quanto os que já habitam a região não precisem ir para estudar ou trabalhar no plano piloto, área que concentra hoje a maior parte dos empregos.


Assim, para forçar essa centralidade e também atrair moradores ao novo empreendimento, a empresa trabalha para lançar logo de cara um bloco com grandes comércios que tenha um polo de entretenimento (provavelmente uma rede de cinemas), um supermercado, uma loja de materiais de construção e uma loja de artigos esportivos. Além disso, trabalham para levar ao local um colégio, agência bancária, clínicas e consultórios.


A altura máxima dos prédios residenciais está prevista em 37,5 metros de altura, o equivalente a dez andares. A construtora também não quer que haja academia ou lavanderia dentro dessas construções —a ideia é que esses serviços sejam ofertados nos comércios previstos nos térreos dos edifícios, de modo a não onerar os moradores que não os usam.


Os construtores preveem uma estação própria de tratamento de esgoto e sistemas de aproveitamento da água da chuva em cada um dos prédios, que devem armazená-la e infiltrá-la de volta no solo, em vez de escoarem-na diretamente para a rede de drenagem.


A empresa evita dizer quando custará o metro quadrado dos novos edifícios—diz que as informações são estratégicas. Afirma, porém, que não miram um grupo específico: haverá tanto habitações para os mais ricos quanto para os mais pobres.


A rua é o principal atrativo, diz a empresa. O projeto prevê vias que priorizam o transporte público em relação ao particular, ciclovia segregada e uma faixa para árvores e outra para pedestres.


Isso não significa, porém, que a ideia será colocada em prática, uma vez que a organização do sistema viário é feita pelo poder público.


Pensando nisso, a construtora criou uma “rua modelo” em área privada (mas que será aberta aos pedestres), onde poderão organizar o espaço conforme planejaram.

Além disso, os prédios que construírem terão um espaço privado que necessariamente deverá ficar aberto, onde estabelecimentos como restaurantes podem colocar mesas em calçadas, por exemplo, sem atrapalhar o fluxo de pedestres.


Dos 16 milhões de m² do terreno, a empresa pretende construir um parque que envolva o bairro com 3 milhões de m² —e quer estendê-lo a 5 milhões de m², se tiverem licença para operar espaços além de seu terreno. 


O potencial construtivo do empreendimento todo, calcula a empresa, é de 4 milhões de m².


Terreno onde será construída a primeira etapa da Urbitá.


O projeto tem assessoramento do renomado escritório de arquitetura do dinamarquês Jan Gehl, referência no planejamento de cidades mais agradáveis e inclusivas.


Diretor criativo do escritório, o urbanista David Sim cita Gehl ao dizer que primeiro é preciso pensar nas vidas, depois nos espaços e, por fim, nos prédios que serão construídos. 


“É muito difícil andar em Brasília, fazer tarefas simples, em comparação a outras cidades, onde se pode caminhar para o trabalho, levar os filhos à escola, comprar algo no caminho, fazer tarefas interconectadas. Precisamos pensar em como fazer o dia a dia mais fácil, mais agradável, a cidade mais segura para caminhar”, diz. 


“A Urbitá está numa escala humana, com ruas conectadas, numa escala caminhável, e conectada aos bairros vizinhos.”

A Urbanizadora Paranoazinho é dirigida por Ricardo Birmann, filho de Rafael Birmann, dono de construtora que ergue prédios executivos de luxo em São Paulo —o mais novo deles, B32, na Faria Lima, deve abrigar a nova sede do Facebook.


À Folha, Ricardo Birmann exalta não só o potencial imobiliário da

Urbitá "mas também a capacidade de servir como modelo de rediscussão de alguns paradigmas relacionados ao desenvolvimento das cidades brasileiras", afirma.


A Urbitá, porém, já começa com uma série de desafios. Brasília passou recentemente por forte crise hídrica e as cidades vizinhas ao novo empreendimento, como Sobradinho e Planaltina, tiveram rodízio de água no fim do ano passado.


Para Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, o projeto não leva em conta a capacidade de abastecimento de água e de tratamento de esgoto do DF. “É mais um peso que se coloca na balança da insustentabilidade do Distrito Federal”, diz. 


Flósculo diz que o Urbitá “pode ser uma nova Águas Claras”, se referindo a um bairro construído na saída sul de Brasília, tomado por arranha-céus e com o trânsito completamente travado nos horários de pico —o bairro é usado como exemplo negativo pelos criadores da Urbitá. 


Birmann diz que os impactos foram calculados e que o projeto está dentro dos parâmetros exigidos legalmente. O bairro deve ser abastecido por um aquífero local inicialmente, e, depois, entrará no sistema da Caesb, companhia de saneamento do DF. 


"O Distrito Federal cresce 60 mil pessoas por ano. Onde elas vão morar?Essas pessoas vão deixar de gerar trânsito na cidade se a gente não fizer a Urbitá?", rebate o diretor do empreendimento. 

O maior empecilho, no entanto, a empresa enfrenta desde que comprou o terreno, em 2007. Um terço da área do novo bairro já é ocupada por condomínios e casas irregulares, que não têm escritura. Há desde condomínios fechados de luxo a casas improvisadas para os mais pobres.


A prática ganhou corpo nos anos 1990 e se tornou comum no Distrito Federal, que tem ampla oferta de espaço, em geral em área pública —o governo local estima que um terço dos habitantes do DF viva em áreas irregulares.


A Paranoazinho trabalha para regularizar essas residências, num processo que custa acima dos R$ 50 mil para os donos das casas (depende do tamanho do lote) e que muitas vezes vai parar na Justiça.


A ideia não é tirá-los dali, mas construir a Urbitá no amplo terreno livre no entorno dos bairros já construídos — e trabalhar para que a área desocupada não seja invadida e irregularmente loteada.


Matéria originalmente publicada pela Folha de S. Paulo em 27 de fevereiro de 2020 em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/brasilia-deve-ganhar-cidade-satelite-planejada-e-voltada-a-pedestres.shtml


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